Rothko não se julgava um pintor
abstrato.
“Minhas cores são mais do que cores”, esclarecia.
“São
atrizes.”
Intérpretes dedicadas e habilidosas, que buscam instigar o
público e exprimir “a tragédia humana, as emoções elementares”.
Ele
tinha, segundo vários depoimentos, uma relação obsessiva com as próprias
criações, frutos de muito cálculo. Sofria ao vê-las “sair pelo mundo”
e, não raro, chorava diante da separação. Também reivindicava de museus e
galerias condições perfeitas para exibi-las. Tentava controlar os
mínimos detalhes: a intensidade da luz, o posicionamento das obras na
parede, a distância que o observador deveria manter de cada quadro. Se
não o atendessem, armava um fuzuê ou cancelava a exposição. Quando
recebia elogios do tipo “você faz pinturas lindas”, se exasperava.
Não
queria que o confundissem com “um decorador de interiores”.
À semelhança
de outros papas da abstração, torcia o nariz para os antecessores –
ícones das vanguardas como Picasso e Salvador Dalí.
“Envelheceram mal.
Acomodaram-se”, bradava.
Tampouco livrava a cara da geração que o
sucederia (e ofuscaria), a de Andy Warhol, Robert Rauschenberg, Jasper
Johns e Roy Lichtenstein, astros da pop art. Taxava todos de
superficiais, lacaios da cultura de massa, tão descartáveis “quanto um
lenço Kleenex”.
Não satisfeito em matar os pais, desejava trucidar os
próprios descendentes.
No verão de 1958, aceitou a encomenda que o espetáculo de John Logan
menciona. A destilaria canadense Seagram planejava revestir três paredes
do restaurante Four Seasons com murais do artista.
O luxuoso
estabelecimento de Manhattan, que continua funcionando, abriu em 1959 e
se localiza no edifício-sede da empresa. Projetado por uma dupla de
exímios arquitetos, o alemão Mies van der Rohe e o norte-americano
Philip Johnson, costuma reunir a nata financeira da cidade. O pintor
ganharia US$ 35 mil pela empreitada – cifra que, atualmente, se aproxima
dos US$ 2 milhões.
Durante meses de trabalho exaustivo, confeccionou 27
quadros. Do conjunto, pretendia extrair os nove do restaurante.
“Vou
tirar o apetite dos ricos calhordas que frequentam o lugar”,
trombeteava
enquanto preparava a série.
Não se tratava de mera bravata. Ele
realmente acreditava que os comensais esqueceriam o menu quando
avistassem as pinturas e vivenciariam algo como uma epifania – o início
de uma transformação moral, impulsionada pelos sentimentos que as telas
despertariam.
Ocorre que, tão logo o Four Seasons inaugurou, Rothko o visitou e...
“Quem aprecia aquela comida, quem paga aquele preço nunca colocará os
olhos num quadro meu!”,
rosnou para um amigo, ao telefone.
“Era uma
descrição ou uma prescrição? Uma triste constatação ou uma ameaça?”,
pergunta-se Simon Schama.
O pintor jamais respondeu. Apenas abriu mão da
incumbência e devolveu o adiantamento de US$ 7 mil. A partir de então,
se deixou tragar por ondas gigantescas e periódicas de melancolia.
Acabou cortando os pulsos em 25 de fevereiro de 1970. Suicidou-se horas
antes de os nove murais do Four Seasons chegarem à Tate Gallery, de
Londres (hoje Tate Britain), onde ainda ocupam uma sala.
Fonte: Revista Bravo
Mark Rothko, The Omen of the Eagle,1942, National Gallery of Art, Gift of The Mark Rothko Foundation, Inc., 1986.43.107
Mark Rothko, Sacrifice of Iphigenia,1942, Collection of Christopher Rothko
Mark Rothko, No. 17 [or] No. 15, 1949, National Gallery of Art, Gift of The Mark Rothko Foundation,
Inc., 1986.43.142
Rothko in his West 53rd Street studio, painting what may be a version of Untitled,1952-1953 (Guggenheim Museum, Bilbao), photograph by Henry Elkan, c. 1953
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