Zumbis na cidade moribunda



Urubus, às dezenas, sobrevoam o conjunto de prédios decrépitos a espreitar uma cidade moribunda, que, do alto, sugere um grande cemitério de cadáveres insepultos, feitos de um concreto encardido e há muito carcomido. Ao crepúsculo, as aves de mau agouro se recolhem, dando vez a uma legião de zumbis a vagar pelas ruas estreitas e lúgubres. Nesse ambiente soturno, corpos à venda simulam algum sentido à vida com um sorriso ensaiado, uma falsa alegria tirada à força da tristeza. Não só corpos, sonhos também estão à venda. Mas alguma coisa está morta nesses corpos expostos em trajes mínimos, como deixam antever as aves de rapina.

O ruído do vento soa como uma queixa enquanto uma garota improvisa um pole dance no poste de sinalização na esquina da Rua João Pessoa com a Avenida Senador Feijó. Esse é o epicentro da prostituição em Santos, um quadrilátero que se estende da Rua Xavier da Silveira à Avenida Rangel Pestana, da Praça Rui Barbosa ao Cemitério de Paquetá. Ao meio-dia, às duas da tarde, às quatro, às 10 da noite, à meia-noite, a qualquer hora prostitutas se põem pintadas e vestidas a caráter na calçada, de frente para a porta que conduz ao quarto onde vendem sexo barato. O ar de melancolia é quebrado, vez ou outra, por um apelo a algum potencial cliente.

Esse é o mais antigo e também o mais decadente mercado de sexo de Santos, a cidade portuária mais importante do Brasil. Mulheres e eventuais adolescentes fazem o trottoir nas ruas desse quadrilátero, enquanto a maioria dos travestis desfila os corpos seminus ao longo de três quadras da Rua Amador Bueno. A maior concentração deles fica nas esquinas da Praça José Bonifácio, em frente da Catedral e do Fórum. Ladeando a praça, a Senador Feijó conduz a outros pontos dispersos de prostituição, no lado oposto ao cais do porto. Ao longo da avenida, a madrugada é preenchida por uma algazarra absurda, gritos, discussões e sucessivos flagrantes de uso e venda de drogas.

Mauri König

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